Sábado, 23 de Setembro de 2006

Pureza do interior

 

A decisão estava tomada e chegado o início do período lectivo, João naturalmente segue para Coimbra. Porém, desta vez vai acompanhado. Ela distanciou-se inevitavelmente da mãe e esta trata-a com desprezo. Nas vésperas da partida - Se achas que é o melhor para ti segue a tua vida como entenderes - palavras de secura fria, de indiferença. Com mágoa e revolta por ter descoberto que vivia num mundo falso, não são raros os momentos em que chora às escondidas, ele com beijos de consolo não consegue esbater totalmente o sofrimento.

Já em Coimbra, de malas em punho, instalam-se no habitual apartamento que é de João há quatro anos. Agora as circunstâncias motivaram-no a procurar emprego, trabalhando de dia e estudando à noite. Enquanto realiza trabalhos na sua área, Lurdes conseguiu logo colocação num supermercado local. Afinal, com esforço conseguem ir contrariando a infelicidade e ser momentaneamente felizes.

É uma vida diferente, de auto-sustento; os pais de João ao saberem da companhia do filho cortaram a mesada que lhe conferiu sempre segurança e conforto de quem não passa necessidades. Agora, os tempos são de luta, o dinheiro é curto e os pais não imaginam o mal que lhe estão a fazer só por amar. Sem desistir, sem baixar os braços vão aguentando este ritmo. A força de vontade não passa despercebida a quem os contrata e vão assumindo mais responsabilidades. As retribuições aumentam, a situação vai melhorando.

Porém chega aos ouvidos dos pais de João que a situação dele é muito precária, alguém espalhou o boato, que como todos os rumores chega ao destinatário empolado e extrapolado. O arrependimento e os remorsos são pela primeira vez sentidos e a vergonha social leva-os a deslocar-se ao local onde ele está. Quando o vêm com um aspecto menos saudável e cansado de tanto trabalhar, um orgulho enche-lhes o ego e abraçam-no em lágrimas - Meu filho como estás tão magro - a preocupação maternal é agora real, a inutilidade da sua luta um facto e resta-lhes aceitar a decisão de João. Com algum distanciamento cumprimentam a namorada.

As saudades eram indesmentíveis e quedam-se na mesma cidade no fim de semana em que convivem com ambos e apercebem-se da delicadeza dela, da beleza que seduziu João e do carinho singular com que ela o trata. Aos poucos começam a gostar dela. Uma situação até agora tão imprevísivel e inesperada tornou-se realidade. O contentamento dos dois pela aceitação era resplandescente. Ao reconhecer a maturidade e sentido de responsabilidade de João têm agora um orgulho redobrado nele.

Os caminhos do amor não são escolhidos mas pré-definidos estranhamente pelo acaso. As promessas de apoio concretizam-se ao longo dos tempos, ele conclui o curso e fica colocado a trabalhar numa da maiores empresas nacionais de construção cujo sócio maioritário é amigo pessoal do pai. Ela, com a ajuda de quem a passou a sentir ao longo dos tempos como uma filha, estuda de noite no ensino superior num curso de enfermagem, e com o empreendedorismo e auto-suficiência que a caracteriza mantém o trabalho diário.

A triste sina de Lurdes tocou os Sousas que fruto de arrependimento da teimosia do passado materializam-no num carinho cada vez mais sincero por ela.

Porquê lutar contra o inevitável, combater o afecto sem compreender o que lhe subjaz, o que lhe dá a forma. Após disputas de emoção carregadas inúteis, com felicidade o coração acompanhou a razão.  Há forças que não se destronam pelo materialismo, a audácia protege muitas vezes os que lutam pelo ideal que têm em si, aquilo em que acreditam.

 Porque não lutar? Porque não acreditar naquilo que sentimos ser a nossa felicidade? Se nem sempre seguimos o que entendiamos e queriamos por medo, por conformismo cobarde, há um dia em ao romper com o pré-estabelecido chegaremos onde a alma sente a completude que converte na plena satisfação do ser espiritual, mental e físico...      

publicado por jaimepedrosa às 13:54
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2 comentários:
De brmf a 25 de Setembro de 2006
Parabéns meu caro por este magnífico conto. Já agora: mando-te sms´s e não respondes. Tás muito duro. Havemos de escalpelizar este conto numa amena cavueira bem regada por imperiais.
De brmf a 25 de Setembro de 2006
Onde se lê "cavueira" deve ler-se cavaqueira

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